17.12.07

Homer Simpson, espectador padrão do Jornal Nacional

Por Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP.


DE BONNER PARA HOMER - O editor-chefe considera o obtuso pai dos Simpsons como o espectador padrão do Jornal Nacional.

Perplexidade no ar. Um grupo de professores da USP está reunido em torno da mesa onde o apresentador de tevê William Bonner realiza a reunião de pauta matutina do Jornal Nacional, na quarta-feira, 23 de novembro. Alguns custam a acreditar no que vêem e ouvem. A escolha dos principais assuntos a serem transmitidos para milhões de pessoas em todo o Brasil, dali a algumas horas, é feita superficialmente, quase sem discussão.

Os professores estão lá a convite da Rede Globo para conhecer um pouco do funcionamento do Jornal Nacional e algumas das instalações da empresa no Rio de Janeiro. São nove, de diferentes faculdades e foram convidados por terem dado palestras num curso de telejornalismo promovido pela emissora juntamente com a Escola de Comunicações e Artes da USP. Chegaram ao Rio no meio da manhã, e, do aeroporto Santos Dumont, uma van os levou ao Jardim Botânico.

A conversa com o apresentador, que é também editor-chefe do jornal, começa um pouco antes da reunião de pauta, ainda de pé numa ante-sala bem suprida de doces, salgados, sucos e café. E sua primeira informação viria a se tornar referência para todas as conversas seguintes. Depois de um simpático “bom-dia”, Bonner informa sobre uma pesquisa realizada pela Globo que identificou o perfil do telespectador médio do Jornal Nacional. Constatou-se que ele tem muita dificuldade para entender notícias complexas e pouca familiaridade com siglas como "BNDES", por exemplo. Na redação do Jornal Nacional, foi apelidado de "Homer Simpson". Você, claro, conhece o obtuso personagem que adora ficar no sofá comendo rosquinhas e bebendo cerveja, preguiçoso e de raciocínio extremamente lento.

A explicação inicial seria mais do que necessária. Daí para a frente o nome mais citado pelo editor-chefe do Jornal Nacional é o do senhor Simpson: “Essa o Homer não vai entender”, diz Bonner, com convicção, antes de rifar uma reportagem que, segundo ele, "o telespectador brasileiro médio não compreenderia".

Mal-estar entre alguns professores. Dada a linha condutora dos trabalhos – "atender ao Homer" –, passa-se à reunião para discutir a pauta do dia. Na cabeceira, o editor-chefe; nas laterais, alguns jornalistas responsáveis por determinados editorias e pela produção do jornal; e na tela instalada numa das paredes, imagens das redações de Nova York, Brasília, São Paulo e Belo Horizonte, com os seus representantes. Outras cidades também suprem o JN de notícias (Pequim, Porto Alegre, Roma), mas elas não entram nessa conversa eletrônica. E, num círculo maior ainda, ao redor da mesa, os professores convidados. É a teleconferência diária, acompanhada de perto pelos visitantes.

Todos recebem, por escrito, uma breve descrição dos temas oferecidos pelas
“praças” (cidades onde se produzem reportagens para o jornal) que são analisados pelo editor-chefe. Esse resumo é transmitido logo cedo para o Rio de Janeiro, e, depois, na reunião, cada editor tenta explicar e defender as ofertas, mas eles não vão muito além do que está no papel. Ninguém contraria o chefe.

A primeira reportagem oferecida pela “praça” de Nova York trata da venda de óleo para calefação a baixo custo feita por uma empresa de petróleo da Venezuela para famílias pobres do estado de Massachusetts. O resumo da “oferta” jornalística informa que a empresa venezuelana, “que tem 14 mil postos de gasolina nos Estados Unidos, separou 45 milhões de litros de combustível” para serem “vendidos em parcerias com ONGs locais a preços 40% mais baixos do que os praticados no mercado americano”. Sem dúvida uma notícia de impacto social e político. Mas o editor-chefe do Jornal Nacional apenas pergunta se os jornalistas têm a posição do governo dos Estados Unidos antes de, rapidamente, dizer que considera a notícia "imprópria" para o jornal. E segue em frente...

Na seqüência, uma imitação do presidente Lula e da fala de um argentino, passa a defender com grande empolgação uma matéria oferecida pela “praça” de Belo Horizonte: em Contagem, um juiz estava determinando a soltura de presos por falta de condições carcerárias. A argumentação do editor-chefe é sobre o perigo de criminosos voltarem às ruas. “Esse juiz é um louco”, chega a dizer, indignado. Nenhuma palavra sobre os motivos que levaram o magistrado a tomar essa medida e, muito menos, sobre a situação dos presídios no Brasil! A defesa da matéria é em cima do medo, sentimento que se espalha pelo País e rende preciosos pontos de audiência. Sobre a greve dos peritos do INSS, que completava um mês – matéria oferecida por São Paulo – o comentário gira em torno dos prejuízos causados ao órgão. “Quantos segurados já poderiam ter voltado ao trabalho e, sem perícia, continuam onerando o INSS”, ouve-se. Sobre os grevistas? Nada.

De Brasília é oferecida uma reportagem sobre “a importância do superávit fiscal para reduzir a dívida pública”. Um dos visitantes, o professor Gilson Schwartz, observou como a argumentação da proponente obedecia aos cânones econômicos ortodoxos e ressaltou a falta de visões alternativas no noticiário global.

Encerrada a reunião, segue-se um tour pelas áreas técnica e jornalística, com a inevitável parada em torno da bancada onde o editor-chefe senta-se diariamente ao lado da esposa para falar ao Brasil. A visita inclui a passagem diante da tela do computador em que os índices de audiência chegam em tempo real. Líder eterna, a Globo pela manhã é assediada apenas pelo Chaves mexicano, transmitido pelo SBT!! Homer é burro. Homer ama TV Globo. Homer ama Chaves. Oh, tristeza... Como é difícil dizer que tenho orgulho de ser brasileiro...

No almoço, antes da sobremesa, chega o "espelho" do Jornal Nacional daquela noite (no jargão, 'espelho' é a previsão das reportagens a serem transmitidas, relacionadas pela ordem de entrada e com a respectiva duração). Nenhuma grande novidade. A matéria dos presos libertados pelo juiz de Contagem abriria o jornal. E o óleo barato do Chávez venezuelano foi para o limbo.

Diante de saborosas tortas e antes de seguirem para o Projac – o centro de produções de novelas, seriados e programas de auditório da Globo em Jacarepaguá – os professores continuam ouvindo inúmeras referências a Homer Simpson. A mesa é comprida e em torno dela notam-se alguns olhares constrangidos.

Mas não se preocupe que em 2014 a copa do mundo de futebol é no Brasil. E, afinal de contas, isso é o que mais importa, não é? Somos penta! Vamos ao hexa!! Brasil- il-il-il!!!


( COMENTÁRIOS (em uma nova página)

5 comentários:

Anônimo disse...

Absurd! Absurd!

Anônimo disse...

É pra se levar esse texto a sério? de verdade?

Vamos lá então...

Se o público de qualquer programa é composto por um tipo médio de telespectador, logo é normal que o conteúdo deste programa seja direcionado ao publico em questão. Ora, se o público tem dificuldade em entender notícias complexas e não entendem muitas siglas, noticias complexas e/ou com muitas siglas devem ser evitadas. Natural, não?

Embora este telespectador seja chamado pejorativamente de Homer Simpson, temos que levar em conta que isto é uma denominação interna. Acho que é mais fácil falar "O Homer não vai entender" do que dizer "O espectador médio do Jornal Nacional não vai entender", ou ainda "O espectador médio do Jornal Nacional, que não entende notícias complexas ou siglas, não vai entender"... Temos que lembrar que estavam em reunião de pauta e, portanto, é natural a utilização de "gírias" dentro desta equipe.

Quanto a utilização ou não de alguma notícia, isso é exatamente o papel de um editor... escolher qual notícia vai e qual o tempo/espaço dedicado a ela... Se ele acha que a notícia da venda de óleo de calefação não interessa ao público do jornal, é o papel dele retirar da pauta (vai explicar para um espectador comum, que não sabe o que é BNDES e mora em um país tropical, o que é óleo de calefação... por aqui se utiliza ventilador, não óleo de calefação)...

Quanto às demais matérias, bom, nestes casos, é o interesse da maioria que está sendo demonstrado... ou você acha que a maioria quer presos soltos, independente das condições dos presídios... Na cabeça do cidadão médio, é preferível o bandido preso em condições precárias ao bandido solto... simples assim... e finalmente, quanto aos grevistas do INSS, lógico que o ponto a ser abordado é o número de pessoas prejudicadas... São pessoas que continuam recebendo o benefício, agravando o déficite da previdência e também pessoas que precisam do benefício e ainda não foram avaliadas... Todas as greves que tem impacto no cotidiano devem ser abordadas, principalmente, por este impacto.

A velha mania de perseguição, de encontrar golpe e conspiração por todos os lados é cansativa, piegas e demonstra uma falta de imaginação tremenda!

Nada mais a acrescentar, findo aqui meu comentário

Aline disse...

Parabéns pelo blog!! Gostaria apenas de deixar a minha opinião, que sempre reitero, de que a internet é uma benção! Se não fosse a internet jamais saberíamos os absurdos que os "donos do poder" neste país cometem, para se manterem no poder!

É uma pena que ainda existem umas topeiras no Brasil, como uns "anônimos" por aí, que acham, na sua vã ignorância, que as notícias que passam na mídia televisa não são manipuladas! Sabem aquele velho chavão que diz que o "pior cego é aquele que não quer enxergar"?
Das duas, uma: ou eles são muito "inocentes" e não enxergam a verdade ou eles enxergam e pra nossa tristeza, são coniventes com ela...

Leandro disse...

O que não dá pra levar a sério é o comentário desse anônimo!
Ora, se o público é burro, então o jornal tem que colaborar para que a ignorância se perpeue?
Se alguém leu a nota do Bonner tentando explicar o inexplicável, não conseguiria entender o que ele quis dizer com "didatismo". Didatismo é transmitir uma idéia de forma simples, e não omitir o que não interessa e destacar o que interessa.
Enfim, a idéia do JH é: nosso público é burro ou reacionário, ou os dois, então vamos veicular notícias que estimulem esse estado mental e essa posição ideológica.
Talvez o mais ridículo da explicação da nota do Bonner sobre esse infeliz episódio é que ele tentou "amenizar" a descrição do Homer Simpson, quando até o telespectador do jornaleco dele sabe que a principal característica do Homer é que ele é um completo imbecil.

Link para a nota do Wiliam Bonner tentando se explicar:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u55781.shtml

Ana disse...

Bando de ignorantes brasileiros, esse anonimo acha que está bem informado, alienado do sistema! tem que se foder mesmo!